Roberto Amaral
CartaCapital
Qualquer analista da política sul-americana concordará que uma das características distintivas dos processos brasileiro e hispano-americano é, no caso de nossos vizinhos, sua rápida revolução, contrastando com o vagar das transformações históricas brasileiras.
Fomos a única monarquia americana, o último país a desfazer-se — e assim ainda muito mal — do escravismo. Aqui a República, fruto de um golpe de Estado, já nasceu decrépita, envilecida por uma oligarquia rural arcaica que a monopolizou por 40 anos, período em que jamais houve o encontro da democracia com a representação. A ‘revolução’ de 30, proposta para promover esse encontro, terminou como uma ditadura ) civil (15 anos) sustentada pelas armas.
Aqui, as ditaduras foram longevas e lentas, e os processos de redemocratização foram conquistados palmo a palmo. Agora mesmo, passados tantos anos do fim da queda da última ditadura, a discussão contemporânea é se podemos processar os agentes do terrorismo de Estado, enquanto nossos vizinhos já têm os seus na cadeia. Por enquanto só nos é dado (se tanto) conhecer a verdade negada à História, e pelo menos enterrar nossos mortos, chamados de ‘desaparecidos’, o neologismo aviltante grafado pela ditadura.
Se o processo brasileiro é mais lento, parece ser menos propício a sobressaltos, tendendo a uma evolução sem riscos de interrupções abruptas. Sem querer lembrar um passado que teima em ficar presente, nossa evolução se dá de forma gradual, lenta, mas firme. Nessa hipótese, o gradualismo, passando pela transação e pela conciliação, ainda que agravando as dores e excitando as ansiedades, ensejaria uma mais fecunda semeadura do processo democrático.
Talvez seja pueril minha leitura, mas suponho poder afirmar que, finalmente, construímos a mais forte estrutura político-institucional democrática da República, apesar do esforço sempiterno da grande imprensa no seu objetivo de desmoralizar a política, sem a qual, todavia, não há democracia de qualquer espécie. E ela mesma sabe disso, pois foi desmoralizando a política e seus agentes, os partidos e os políticos, que nossos jornalões abriram caminho para as rupturas constitucionais, desde as quarteladas do início do século ao golpe de 1964.
O fato objetivo de hoje é que estamos prestes a festejar 30 anos de vida democrática ininterrupta, e, se é possível arriscar predições, em condições de afirmar que o cenário que se descortina a olho nu é de tranquilidade institucional, e, seja-me permitido o otimismo, de avanço social. Nesses anos pós-ditadura militar, reconstruímos a ordem constitucional e vivenciamos com sucesso seis eleições presidenciais.
Realizamos a proeza de eleger duas vezes um operário presidente da República, e, para sucedê-lo, uma notável mulher que chega à política depois do batismo na luta contra a ditadura, cujos porões conheceu, na tortura infamante e na cadeia. Atrás desse operário e dessa presidenta havia e há, nas campanhas eleitorais e no governo, um amplo apoio de massas assentado em uma coalizão de partidos sob a hegemonia da centro-esquerda.
Essas considerações mais ou menos impressionistas me ocorrem como reflexão em face da crise paraguaia, quando um golpe-de-Estado-parlamentar interrompeu o mandato constitucional e legítimo do Presidente Fernando Lugo.
Em poucas horas a administração popular do presidente paraguaio foi demolida por uma razia parlamentar, sem que à truculência da classe dominante reacionária se opusesse a força das grandes massas assaltadas.
O fenômeno ao qual nos estamos referindo não se circunscreve ao nosso vizinho.
Os golpes antes intentados na Venezuela, no Equador e na Bolívia, onde até a secessão foi cogitada, são a resposta da direita sul-americana, feudal e anti-nacional, em face de governos conquistados na proa de históricos processos de emergência das massas, pela vez primeira, nesses países, dissociados das elites e de suas classes dominantes, comprometidas com o atraso no qual se cevam.
O golpe consumado em Honduras, ao final consolidado pela pusilanimidade estadunidense, parece ter sido apenas um laboratório do qual o Paraguai é um experimento. Outros golpes estarão nas mesas de ensaio?
A frustração daqueles golpes (Equador, Venezuela, Bolívia) nos impediu de ver a permanência de sua ameaça, pois a direita em nosso continente (lembremos sempre o já sabido) jamais esteve comprometida com a democracia.
Em comum nesses países, a pobreza da organização social, que não se expressa mediante organizações partidárias fortes e inseridas na vida política, donde a fragilidade das administrações populares, sem base de sustentação institucional, e sem condições de mobilização e resistência diante da ofensiva de seus adversários.
Não basta ao bom Príncipe ganhar o poder (no caso concreto, mais exatamente o governo), pois o desafio é conservá-lo.
Há, porém, uma severa distinção a destacar entre a política brasileira contemporânea e a de nossos vizinhos, e ela reside no fato de aqui a esquerda haver aprendido que, para governar, ela precisa de alianças para além de seu campo, de par com a conservação da capacidade de mobilização popular (relembro a resistência de Lula às tentativas de golpe de 2005). A solidão de Lugo em seu Parlamento sem aliados contrasta com o apoio partidário de que a presidenta Dilma Rousseff dispõe nas duas casas do Congresso brasileiro.
Será esta outra lição?
Leia mais em: O Esquerdopata
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No Paraguai, Veja está com Franco e não abre
“Presidente Federico Franco, é o entrevistado das páginas amarelas; diz que a deposição de Lugo foi constitucional e que os militares “foram fiéis à pátria” não se prestando à suposta tentativa de golpe arquitetada por Hugo Chávez; em editorial, a revista da Abril assumiu sua posição: é a favor do golpe
Federico Franco, presidente do Paraguai desde a deposição de Fernando Lugo, surge doce, cândido e com ar de bom moço na foto que ilustra a entrevista de páginas amarelas da revista Veja deste fim de semana. Nela, Franco nega que tenha havido golpe de Estado no Paraguai, muito embora tudo tenha sido decidido em menos de 48 horas, sem que seu antecessor, Fernando Lugo, tivesse tido a oportunidade de apresentar sua defesa. “Houve um processo de impeachment que está previsto na Constituição, com respeito absoluto à democracia e aos direitos humanos”, disse Franco ao repórter Hugo Marques, que foi enviado a Assunção.
Na entrevista, em que Franco não foi questionado sobre o rito sumário da deposição de Lugo, o presidente paraguaio se coloca como um amigo e aliado do Brasil, citando a parceria em Itaipu, os 500 mil brasiguaios que vivem do outro lado da fronteira e os laços de amizade histórica que aproxima os dois países. “Tenho esperança de que o Itamaraty, que sempre teve uma conduta retilínea e exemplar, possa reavaliar sua posição”, diz Franco, falando sobre a expulsão do Paraguai do Mercosul. “Tudo nos une. Nada nos separa”.
Golpe, na visão do presidente paraguaio, foi a suposta tentativa da Venezuela, de Hugo Chávez, de incitar uma resistência militar em favor de Fernando Lugo. “Os generais foram fiéis à pátria”, disse Franco, citando a suposta ingerência de Chávez em assuntos internos do Paraguai.”
A favor do golpe
Além de entrevista Franco, a revista Veja demarcou sua posição sobre a crise do Mercosul, num editorial assinado pelo diretor Eurípedes Alcântara. O texto, sob a foto dos presidentes dos países sul-americanos, foi intitulado “A aliança para o atraso”, numa clara referência à “Aliança para o progresso”, um programa que, entre 1961 e 1970 buscou aproximar os Estados Unidos da América do Sul – foi justamente neste período que se implantaram as sementes das ditaduras no continente.
No editorial, Veja fez troça da posição da diplomacia brasileira na crise paraguaia. “Um desses episódios foi a bizarra reação brasileira ao processo constitucional de impeachment que tirou da presidência do Paraguai o esquerdista Fernando Lugo. A diplomacia brasileira foi, para ficarmos com a hipótese mais benigna, mera espectadora da inaceitável tentativa do venezuelano Hugo Chávez de fomentar um golpe militar em Assunção e, assim, evitar a saída de Lugo do poder”, escreveu Eurípedes.
Veja assumiu seu lado: é a favor do golpe de Franco, a quem considera um democrata. E já que perguntar não ofende, como será que se comportaria se algo semelhante ocorresse no Brasil?”
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