quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Celso de Mello ajudou no mensalão ( do Sarney)

“Celso era o grande filtro técnico, o especialista capaz de dar vestimenta técnica às teses mais esdrúxulas de Saulo.(…) E, como recompensa, ganhou a indicação para Ministro do STF”

O decano em IV atos 

Igor Felippe

Ato I: o voto

Chamou a atenção a virulência empregada pelo decano do STF, ministro Celso de Mello, para condenar o denominado núcleo político da Ação Penal 470, o chamado Mensalão.

O rigor – ou a insensatez ? – do decano do STF levou o jornalista Luis Nassif a afirmar:

“Nada se equipara à irresponsabilidade institucional do ministro Celso de Mello”(http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-irresponsabilidade-do-decano).

Vejam algumas frases vociferadas pelo safo ministro – safo no sentido usado pelo ministro Marco Aurélio de Mello quando se refere ao ex-presidente Lula:

“Esses delinquentes ultrajaram a República. É o maior escândalo da história”.

“Nunca presenciei caso em que o crime de quadrilha se apresentasse, em meu juízo, tão nitidamente caracterizado”.

“Esta estabilidade se projeta para mais de dois anos, 30 meses. Eu nunca vi algo tão claro”.

“Vítimas, senhor presidente, somos todos nós, ao lado do Estado. Vítimas de organizações criminosas que se reúnem em bandos”.

“O que eu vejo nesse processo são homens que desconhecem a República” – o objetivo dos acusados era dominar o sistema político brasileiro, de forma “inconstitucional”.

“Os fins não justificam a adoção de quaisquer meios, especialmente quando tais meios se apresentam em conflito extensivo com a Constituição e as leis da República”.

“Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas artimanhas criminosas”.

Para que se exista quadrilha, afirma o decano, “basta que seja uma associação permanente, de trabalho comum, combinado”.

Celso de Mello ainda comparou um partido político, o PT, que governa o pais desde 2003, às organizações criminosas do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Ato II: O passado recente

Houve uma verdadeira orgia na distribuição de concessões públicas de emissoras de rádio e TV durante o governo Sarney (1985-89) – o ministro das Comunicações era Antonio Carlos Magalhães, que tinha na Secretaria Geral Rômulo Villar Furtado, homem de confiança da Globo no cargo desde 1974.

O coletivo Intervozes, no documento “Concessões de Rádio e TV: onde a democracia ainda não chegou”, publicado em novembro de 2007, afirmou:

“Em três anos e meio – de 15/03/85 a 5/10/88 -, Sarney distribuiu 1.028 outorgas, sendo 25% delas no mês de setembro de 1988, que antecedeu a promulgação da Constituição” (http://www.intervozes.org.br/publicacoes/revistas-cartilhas-e-manuais/revista_concessoes_web.pdf).

O objetivo da orgia é esclarecido no próprio documento: “Com raras exceções, os beneficiados foram parlamentares que receberam as outorgas em troca de apoio político a projetos de Sarney, especialmente para a extensão do mandato do presidente para cinco anos” (grifos meus).

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), em 1 março de 1988 – portanto antes da promulgação da Constituição Federal – já denunciava: “há uma evidente vinculação entre o aumento do número de outorgas e a criação do centrão. E, mais recentemente, com a compra de votos de Constituintes pelo Executivo, que a imprensa atualiza diariamente com novas denuncias” – grifos meus (http://donosdamidia.com.br/media/documentos/527Outorgas.pdf).

Ato III: Onde estava Celso de Mello nesse período?

No início do governo Sarney, Celso de Mello era secretário de Saulo Ramos na Consultoria Geral da República. Depois, quando Saulo Ramos se tornou ministro da Justiça daquele governo, Celso de Mello continuou sendo seu principal assessor.

“Celso era o grande filtro técnico, o especialista capaz de dar vestimenta técnica às teses mais esdrúxulas de Saulo.(…) E, como recompensa, ganhou a indicação para Ministro do STF”, escreveu Nassif.

Parênteses: por que será que na página do decano no site da Wikipédia é ignorado que Celso de Mello prestou serviços ao governo Sarney é ignorado? Lá consta: “Celso de Mello foi formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membro do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 1970 até ser nomeado para a Suprema Corte” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Celso_de_Mello). Seria um “esqueçam o que eu fiz”, assemelhado ao “esqueçam o que escrevi”?

Ato IV: E agora, decano?

Compra de votos dos constituintes?

Formação de uma base parlamentares de apoio ao governo Sarney, chamada de centrão?

Uso das concessões de rádios e TV em troca de apoio aos projetos do governo?

Obtenção de um mandato presidencial de cinco anos, depois de ter sido eleito para o exercício de quatro anos? Nesse episódio, quem estava ao lado do Estado? Quais foram as vítimas desse conluio?

Por que os políticos protagonistas dessa sórdida artimanha criminosa não foram denunciados e punidos? Onde estão os “delinquentes que ultrajaram a República” durante o processo constituinte?

Senhor decano, data vênia, faço uso de suas palavras: “Nunca presenciei caso em que o crime de quadrilha se apresentasse, em meu juízo, tão nitidamente caracterizado”.

Resta apenas uma dúvida: senhor ministro, o seu voto hoje endereçado ao PT já estava escrito em 1988?

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Um julgamento de exceção

Luiz Moreira 
Texto completo no Brasil 247 

(...)
Penso, no entanto, que durante o julgamento da ação penal 470, o midiatizado caso do “mensalão”, o STF se distanciou do papel que lhe foi confiado pela Constituição de 1988, optando em adotar uma posição não garantista, contornando uma tradição liberal que remonta à Revolução Francesa.
Esses equívocos conceituais transformaram, no meu entender, a ação penal 470 em julgamento de exceção, por não adotar uma correção procedimental, que pode ser delineada nos seguintes termos: (1) pressão pela condenação do réus pelas emissoras de televisão; (2) recusa em reconhecer aos réus o duplo grau de jurisdição; (3) utilização pelo Relator do mesmo método da acusação; (4) opção pelo fatiamento do julgamento; (5) a falta da individualização das condutas e sua substituição por blocos; (6) a ausência de provas e a aplicação dos princípios do direito civil ao direito penal e (7) na dosagem das penas a subordinação de sua quantificação à prescrição.
(1)    A cobertura das emissoras de televisão, especialmente a Rede Globo, insistia em estabelecer um paralelo entre os réus políticos e a corrupção. Esse paralelo se realizava do seguinte modo: que a necessária condenação dos réus teria papel pedagógico, pois, com ela, obter-se-ia um exemplo a ser utilizado numa campanha midiática. Desse modo, uma concessão do Estado, uma TV aberta, utiliza-se de métodos mercadológicos para definir que cidadãos são culpados justamente no período em que esses cidadãos são julgados. Abriram-se espaços para afirmar a culpa dos réus, sem permitir igual espaço para a defesa. Definido o conteúdo da mensagem (a culpabilidade dos réus), há a massificação dessa mensagem em todos os seus telejornais. Claro está que pressão midiática, patrocinada em TV aberta, cria não apenas um movimento pela condenação de cidadãos sob julgamento, mas visa alinhar a decisão dos juízes à campanha pela condenação desses réus. Assim, foi estabelecida uma correlação entre condenação e combate à corrupção, de modo a estabelecer que os juízes que são contrários à corrupção devem por isso condenar esses réus. Contrariamente, os que absolvem os réus assim o fazem por serem favoráveis à corrupção.
(2)    A recusa em reconhecer aos réus o duplo grau de jurisdição. O STF não deferiu aos réus o direito constitucional a ser julgado pelo respectivo juiz natural. No Brasil, apenas alguns cidadãos fazem jus ao chamado foro por prerrogativa de função. Assim, como é corriqueiro no STF, desmembra-se o processo em que sejam réus cidadãos que não têm essa prerrogativa, remetendo-os à instância competente para promover o respectivo julgamento. Portanto, o STF negou à maioria dos réus deste processo o mesmo direito que foi reconhecido a outros réus, nas mesmas condições. Assim, a exceção consiste em criar regras que só valem para alguns réus, exatamente aos que são alcançados pela campanha midiática em prol de suas condenações.
(3)    A utilização pelo Relator do mesmo método da acusação. O Relator criou um paralelo entre seu voto e um silogismo. Desse modo, a apreciação individual das condutas e a comprovação das teses da acusação foram substituídas por uma estrutura lógica em que a premissa maior e a premissa menor condicionam a conclusão. Dando formato silogístico a um voto em matéria penal, o Relator vinculou o conseqüente ao antecedente, presumindo-se assim a culpabilidade dos réus por meio não da comprovação da acusação, mas por meio de sua inclusão num círculo lógico (argumento dedutivo), acarretando, assim, violação ao devido processo legal, na medida em que se utiliza de circunstância mais prejudicial ao cidadão, ofendendo-se assim garantias e direitos fundamentais, mas também as normas processuais penais de regência da espécie.
(4)    Com o propósito de garantir a supremacia de uma ficção foi estabelecida a narração como método em uma ação penal. Como no direito penal exige-se a demonstração cabal das acusações, essa obra de ficção foi utilizada como fundamento penal. Em muitas ocasiões no julgamento foi explicitada a ausência de provas. Falou-se até em um genérico "conjunto probatório", mas nunca se apontou que prova, em que folhas, o dolo foi comprovado. Foi por isso que se partiu para uma narrativa em que se gerou uma verossimilhança entre a ficção e a realidade. Estabelecida a correspondência, passou-se ao passo seguinte que era o de substituir o exame da acusação pela comprovação das teses da defesa. Estava montado assim o método aplicado nesse processo, o de substituir a necessária comprovação das teses da acusação por deduções, próprias ao método narrativo.
(5)    Como se trata de uma ficção, o método narrativo não delimita a acusação a cada um dos réus, nem as provas, limita-se a inseri-los numa narrativa para, após a narrativa, chegar à conclusão de sua condenação em blocos. O direito penal é o direito constitucional do cidadão em ter sua conduta individualizada, saber exatamente qual é a acusação, saber quais são as provas que existem contra ele e ter a certeza de que o juiz não utiliza o mesmo método do acusador. É por isso que cabe à acusação o ônus da prova e que aos cidadãos é garantida a presunção de inocência. Nesse processo, a individualização das condutas e a presunção de inocência foram substituídas por uma peça de ficção que exigiu que os acusados provassem sua inocência.
(6)    Por diversas vezes se disse que as provas eram tênues, que as provas eram frágeis. Como as provas não são suficientes para fundamentar condenações na seara penal, substituíram o dolo penal pela culpa do direito civil. A inexistência de provas gerou uma ficção que se prestou a criar relações entre as partes de modo que se chegava à suspeita de que algo houvera ali. Como essa suspeita nunca se comprovou, atribuíram forma jurídica à suspeita, estabelecendo penas para as deduções. Com isso bastava arguir se uma conduta era possível de ter sido cometida para que lhe fosse atribuída veracidade na seara penal. As deduções realizadas são próprias ao que no direito se chama responsabilidade civil, nunca à demonstração do dolo, exigida no direito penal, e que cabe exclusivamente à acusação.
(7)    Na dosagem das penas a subordinação de sua quantificação à prescrição. Durante o julgamento, o advogado Hermes Guerreiro sugere da tribuna que o tribunal adotasse a pena aplicada pelo Ministro César Peluso. Imediatamente o Relator o refutou, defendendo sua não aplicação, pois, nesse caso, a pena estaria prescrita. Assim, fica evidenciada que o Relator condiciona a definição da pena não à pretensão punitiva, mas à execução da pena. Quando cidadãos são condenados, concatenam-se procedimentos. Aplicam-se-lhes as penas cominadas à espécie, verificando-se a existência de circunstâncias que a minoram ou a aumentam. Por se tratar de seara penal, o juiz não tem margem para arbitrariedades, para definir a pena segundo sua vontade. Uma vez definida a pena, condizente com as especificidades do caso e as particularidades do cidadão, o passo seguinte é o de sua execução. Quando se executa a pena é que se verifica sua viabilidade. Nesta passagem ficou demonstrado que o Relator subordinou a dose da pena à sua viabilidade. Outra demonstração que ratifica esse vício jurídico, e que evidencia que não se trata de mero acidente, ocorreu quando o Relator aplicou, a um dos réus, lei não vigente à época dos fatos sancionados. Alertado pelo Ministro Ricardo Lewandowski de que o princípio da irretroatividade da lei penal não estava sendo observado, o Relator substituiu a lei mais recente pela que regia o caso, mantendo, porém, a mesma penalidade. Ocorre que na lei anterior os fatos cominados tinham sanção menor. Como justificar a manutenção da mesma pena quando as cominações eram diferentes? Essa contradição se explica apenas pela subordinação da dose da pena à sua viabilidade. Uma vez mais fica demonstrada a incorreção procedimental, o que mais uma vez evidencia tratar-se de um julgamento de exceção.

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