Encontro com Dilma vira reunião de trabalho, visita a Alckmin será
para buscar acesso para a capital a convênios estaduais, ida a Kassab
visa montar transição e benção a Lula foi para iniciar montagem de
governo: imediatamente após vitória eleitoral, Fernando Haddad ocupa
todos espaços como administrador objetivo, frio e calculista; 247 traça
retrato, a partir de dezenas de entrevistas, de que como será esse
prefeito
Nas últimas 72 horas, 247
ouviu mais de duas dezenas de personagens que participaram diretamente
da formulação, aplicação e ajustes da estratégia eleitoral de Fernando
Haddad – a começar pelo próprio prefeito eleito.
Ministros de Estado, parlamentares, intelectuais que ajudaram a escrever
o programa de governo, jornalistas que andaram atrás, à frente e ao
lado do candidato pelo bairros de São Paulo, assessores diretos e,
também, adversários. Dessas audições, emergiram informações inéditas,
detalhes de relevância e impressões que, cada qual ao seu modo,
contribuem para adiantar que tipo de prefeito terá a maior cidade da
América Latina a partir de 1º de janeiro de 2013.
A primeira conclusão é: Haddad será um prefeito operoso. A tal ponto
que, em quatro movimentos sucessivos e rápidos, ele imediatamente ocupou
o espaço político que lhe foi concedido pelas urnas e, na prática, já
vai ultrapassando a condições de prefeito eleito para ser o prefeito de
fato.
Nos dois primeiros dias após a vitória, ele esteve com a presidente
Dilma Rousseff nesta segunda-feira 29, pela manhã, no Palácio do
Planalto, visitou o ex-presidente Lula e tem em sua agenda, para a terça
30, uma ida ao Palácio dos Bandeirantes, onde estará com o governador
Geraldo Alckmin, e à Prefeitura, para dialogar com Gilberto Kassab.
O que poderiam ser, apenas, reuniões protocolares obrigatórias se
transformaram em encontros de trabalho. Com Dilma, Haddad economizou
tempo nos salamaleques e partiu, graças ao seu alinhamento direto com
ela, para discutir a formação de grupos de trabalho que, na prática,
irão levar para São Paulo pacotes federais de bilhões de reais para as
áreas de Saúde, Educação, Transportes e Social.
Diante de Alckmin, a conversa iria girar, de acordo com os planos do
futuro prefeito, em torno de parcerias concretas que poderão ser
firmadas entre a municipalidade e o governo estadual.
"Queremos participar de todos os convênios abertos pelo governo estadual
em benefício dos municípios paulistas", disse Haddad que, em meio as
reuniões fechadas, concedeu uma longa entrevista coletiva da qual
participaram mais de uma centena de profissionais da mídia. Ali, abriu
uma idéia que será apresentada a Alckmin já no primeiro encontro: a que
encampa uma das propostas de governo do adversário eleitoral José Serra,
a de construir creches em terrenos estaduais próximos a estações de
metrô.
"Se esses terrenos existem, vou saber do governador quais são e como
podemos fazer uma parceria tripartite. O governo do Estado cede as
áreas, o governo federal libera recursos para a construção das creches e
a Prefeitura se encarrega de mantê-las em funcionamento", resumiu
Haddad. Tão simples assim.
Sobressaiu, na resposta, um traço forte do perfil do futuro prefeito.
"Ele deve ser visto por três ângulos: o administrador, porque é formado
na matéria, o advogado, outro título acadêmico que ele tem, e o
filósofo, porque Haddad é mestre nessa matéria", lembra um de seus
colaboradores mais próximos durante a campanha.
Diante de Dilma, Alckmin e Kassab, com quem irá tratar sobre a fase de
transição de informações de governo, de fato Haddad já pareceu agir
muito mais como administrador do que como político. Em lugar de um
discurso partidário, ele preferiu sublinhar, diante dos três executivos
públicos, aspectos que tendem a fazer diferença no dia a dia de sua ação
na Prefeitura.
O administrador Haddad igualmente mostrou sua marca durante a campanha,
ao exigir de sua equipe de técnicos a conta precisa de gastos no
orçamento municipal, a título de subsídios, para sustentar o valor para o
público do bilhete único com validade de seis horas para o sistema de
transporte coletivo na capital.
"Até que a conta fechasse, ele, pessoalmente, barrou a divulgação da
proposta no programa de televisão", contou ao 247 um integrante da
campanha. "Essa análise levou uma semana para ficar pronta. Havia quem
quisesse lançá-la o quanto antes, porque precisávamos de fatos novos,
mas ele não deixou. Só colocou a proposta no ar depois que teve a
certeza que poderia cumprir a promessa em caso de ser eleito".
Na torturante marcha da campanha eleitoral, na qual ele, primeiro
empacou abaixo dos 3% das intenções de voto, em seguida ficou parado na
casa dos 8% para, só então, e até mesmo por um golpe de sorte (aqui),
avançar paulatinamente até os 29% que o levaram ao segundo turno, Haddad
exerceu mais de uma vez sua face de advogado. Ele pediu rigor no
acompanhamento dos programas eleitorais do adversário José Serra, o que
lhe valeu a conquista, ao longo do segundo turno, de quase vinte minutos
na exposição tucana.
Filósofo, relatou um de seus parceiros, Haddad procurava ser nos
momentos de corpo a corpo com a população. "Ele assumiu, discretamente,
diante das pessoas mais humildes, um papel de mestre com sabedoria
suficiente para ouvir mais do que falar. Quando gostava de uma idéia
vinda de quem quer que fosse entre o público, telefonava em seguida para
o João Santana (responsavél pelos programas de tevê do PT) e pedia o
aproveitamento daquilo de alguma forma".
Metódico, Haddad reservou diversas terças-feiras, ao longo de toda a
campanha, para ir à sede do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. Ali,
a cada semana coordenava debates que iam à exaustão em torno de
diferentes pontos de seu programa de governo. Firmados os consensos, o
próprio Haddad orientava os técnicos de sua equipe sobre como incluí-los
em seu programa de governo. É certo, aliás, que o livro com as
propostas do candidato para a cidade será bem mais que uma peça de
propaganda. Será a sua bíblia. "Nosso programa foi discutido,
compreendido e muito bem aceito. Tudo o que iremos fazer está ali",
anuncia o próprio Haddad.
Outra de suas promessas é o que chama de transparência da informação.
"Vai ser tudo online", crava, em relação à divulgação de informações
sobre a Prefeitura. "Iremos estabelecer datas para a divulgação de dados
do município. A data combinada a informação vai estar acessível pela
internet. Vai acontecer, muitas vezes, de você (quem acessar) ter a
informação antes que eu, se acessou antes. E isso não será problema
nenhum. O governo municipal será transparente. Não iremos brigar contra
fatos e números".
Das conversas de 247 com os mais próximos a Haddad, a palavra
"político", para defini-lo, quase não apareceu. Certamente porque,
agora, ele pretende ser cada vez menos político, mas, no fundo, sê-lo
mais. Explica-se: com sua missão impossível cumprida, Haddad sabe que
não precisa ocupar manchetes com o que se conhece como 'factóides' – a
expressão usada pelo hoje vereador eleito no Rio de Janeiro Cesar Maia
para justificar a necessidade permanente de os políticos ocuparem
manchetes com juras que eles mesmos sabem que não irão cumprir.
Dá para enxergar, ainda, Haddad como um prefeito que será obsessivo pela
produtidade. Reduzir o atual número de 27 secretarias municipais deverá
ser a primeira medida que ele irá anunciar oficialmente. Ao mesmo
tempo, um novo organograma para a máquina municipal já vai sendo
desenhado, com mais poderes para os subprefeitos. Funções intermediárias
na máquina administrativa igualmente serão prestigiadas, como forma de
fortelecer elos de cadeias de comando. Para enfrentar, com agilidade, a
endêmica corrupção na máquina municipal, Haddad já disse que irá criar a
Controladoria Geral do Município, órgão anterior ao Tribunal de Contas.
Deverá funcionar como um juizado de causas de todos os tamanhos,
apontando falcatruas administrativas onde quer que elas aconteçam.
Pode-se esperar, assim, uma grande cascata de denúncias sobre o mau
funcionamento da máquina administrativa.
Esse modelo de trabalhar como prefeito, abrindo o leque de cargos com
responsabilidade maior, e que pode ser visto como descentralizador --
bem ao contrário do modismo de décadas, pelo qual pegava bem um político
deixar correr sobre si mesmo a fama de ser "centralizador" -- foi
apresentado por Haddad ao presidente Lula, numa distante conversa,
travada em 2005, quando o futuro prefeito acabara de assumir o
Ministério da Educação. Presente estava a primeira-dama Marisa Letícia.
Haddad disse a Lula que, diante da crise política que o cercava, com a
eclosão dos primeiros estrondos do mensalão, o governo só teria uma
saída. A de aumentar a produtividade da gestão. Não só Lula, mas também
d. Marisa gostou daquele papo do novo colaborador presidencial. Ele
começou, ali, a ganhar a confiança de ambos -- e parte do resultado
dessa conexão se vê agora.
"Haddad tem claro que foi eleito prefeito para 'prefeitar' e não para
politizar", conta um dos quadros de sua área política. "Não se concebe
outro projeto para ele que não seja o de cumprir integralmente o mandato
e se candidatar, com naturalidade, à própria reeleição", completa.
"Isso quer dizer que ele sabe exatamente o que tem fazer pelos próximos
quatro anos para ter outros quatro anos para fazer mais do mesmo. Só
depois disso será vida que segue", filosofa o amigo do prefeito.
São Paulo, após ter em Gilberto Kassab um prefeito que dedicou todo o
seu tempo livre e grande parte do horário de expediente para criar um
partido político, o PSD; lembrar do anterior José Serra como aquele que
ficou apenas um ano e sete meses para se trampolinar para o governo do
Estado; recordar de Marta Suplicy, antes de ambos, pela gestão marcada
pela emotividade; ter eleito o anódino Celso Pitta; consagrado, à época,
o neoaliado petista e indefectível Paulo Maluf; surpreendido ao dar o
voto à classista Luíza Erundina; e ter dado uma importantíssima
contribuição ao folclores político com o histriônico (e, em muitos
setores, competente) Jânio Quadros; essa São Paulo agora elegeu um
prefeito que não quer ir além das sandálias que lhe foram oferecidas
pelo povo. O negócio dele vai ser, como disse a boa fonte de 247,
prefeitar.
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