Análise perfeita.
Esse é o primeiro ponto.
Houve tempo em que a imprensa era uma instituição vinculada à cultura do esclarecimento. Hoje é o contrário. Quanto mais eu estudo os imbróglios midiáticos envolvendo o ministério da Integração Nacional, mais eu fico estupefato com o volume de desinformação disseminado.
O Ministério da Integração Nacional foi criado em 2001, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e tem uma história intimamente ligada ao Nordeste. A eles são vinculadas as principais autarquias e estatais da região: a Sudene, a Dnocs e a Codevasf. Na verdade, ele foi criado para compensar, em parte ao menos, a traumática extinção da Sudene no apagar das luzes do governo FHC, depois ressuscitada no início da gestão Lula. A Integração cuida ainda das obras de transposição do São Francisco, o maior empreendimento de engenharia da história do Nordeste.
Desde sua criação, todos os seus titulares são políticos nordestinos.
A concentração de recursos em áreas nordestinas é algo normal para o Ministério da Integração Nacional, já que é lá que suas autarquias atuam e onde está instalada a maior parte da sua infra-estrutura física e humana.
A razão conceitual desse “privilégio” gozado pelo Nordeste se dá porque falamos da região que apresenta os maiores índices de pobreza e subdesenvolvimento econômico. E uma verdadeira “integração nacional” só poderia acontecer a partir da redução das desigualdades regionais.
Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto que devemos analisar é se os titulares privilegiam as suas bases eleitorais. Bem, eu imagino que isso deva acontecer, mas não interpreto a coisa da forma mesquinha como faz a mídia, que mais uma vez procura criminalizar a política.
Fernando Bezerra só é ministro hoje por causa de sua força política, ou seja, por causa de seus votos. Então ele tem uma dívida de gratidão com sua base eleitoral. Isso é um fato. O mínimo que se espera é que o ministro tenha o máximo de boa vontade em relação aos projetos que visam minimizar o sofrimento da população que votou nele. Isso não é falta de ética. É humano. É política.
Entretanto, não temos nenhum privilégio escandaloso aqui, visto que o Ministério da Integração Nacional tem direcionado verbas para todas as unidades da federação. Lembro, pela milésima vez, que a pasta destinou R$ 300 milhões para o Rio em 2011, dentro de um dos programas ligados a questão de desastres; e a mídia quis crucificar o ministro porque direcionou, no mesmo ano, R$ 25 milhões para Pernambuco…
O que a imprensa descobriu é que, num dos muitos programas tocados pelo ministério, a maioria das verbas foi consumida para execução de duas obras de barragem em Pernambuco. Em junho de 2010, aconteceram trágicas enchentes no estado, que matou muita gente, desabrigou centenas de milhares de pessoas, e afetou severamente uma região já frágil economicamente. Houve, naturalmente, uma grande mobilização política, e foram encaminhados e aprovados projetos para viabilizar obras que evitariam problemas similares no futuro. O Ministério da Integração Nacional usou, então, 25 dos 28 milhões de um de seus programas temáticos, para patrocinar parte dos trabalhos. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, entrou com o resto da verba.
No início de 2011, houve uma tragédia climática no Rio de Janeiro ainda maior. Novamente, houve grande mobilização política. O ministério da Integração Nacional alocou, então, R$ 300 milhões, de outro programa. Outros ministérios entraram em ação. A Caixa aumentou os recursos do programa Minha Casa Minha Vida para a região. Alguém verificou se o diretor da Caixa que fez isso é fluminense? Se o fosse, estaria privilegiando o Rio?
Como vem acontecendo em “crises políticas” similares, a imprensa mobiliza seus exércitos para fuçar tudo que envolve o ministro. Aí descobriu-se que seu irmão é diretor da Codevasf, uma das estatais ligadas ao Ministério. Outro escândalo. Acontece que o irmão do ministro, Clementino Coelho, está na diretoria da empresa desde o governo Lula, e sua nomeação para a presidência seguiu um procedimento interno legal, por ser o diretor mais antigo.
Eu sou contra o nepotismo, e me incomoda ver, orbitando ao redor de um mesmo ministério, mais de um membro da família. Mas esse tipo de coisa acontece, sobretudo no Nordeste, onde ainda vigora a tradição de famílias inteiras dedicando-se a carreira política. Não é ilegal. Se as coisas seguem os trâmites corretos, não tem nada demais. Grandes homens públicos, como Joaquim Nabuco, só entraram na política porque pertenciam a clãs enraizados na direção do Estado brasileiro. A direita de hoje, aliás, é o maior exemplo de nepotismo político. Rodrigo Maia, ACM Neto, Covas Neto, estão por aí para provar isso. Mas esse é um nepotismo lícito, do ponto-de-vista constitucional, político ou moral. Se o cara é desonesto ou incompetente, tanto faz se é filhinho-de-papai ou não.
Daí temos mais um problema. O filho do ministro é o deputado Fernando Coelho Filho, que já está em sua segunda legislatura. Trata-se de uma dessas infelizes coincidências, que são negativas (?) para o país, mas às vezes benéficas para a região natal do clã, se seus membros pertencem àquela espécie de políticos que não esquece as suas origens.
Engraçado, durante toda a minha vida, eu ouvi as pessoas amaldiçoarem os políticos porque eles “esqueciam” suas promessas depois de eleitos. Agora condenam porque eles as cumprem. Ou seja, o fato da família Coelho se empenhar em aprovar obras que ajudam a minimizar a seca de sua região se torna um escândalo.
Eu pesquisei o sistema Siga, do Senado Federal, para checar se o Ministério de Integração Nacional realmente beneficiou o filho do titular. Li também a nota do Ministério. Hoje em dia é terrivelmente difícil se informar corretamente.
O deputado Coelho Filho explicou que apresenta emendas ao orçamento da Integração Nacional desde o exercício de 2009: “antes, portanto, da entrada do pai no ministério”, o que ocorreu em janeiro de 2011. E que, “nas gestões anteriores, teve melhor execução de emendas”. Alguém foi conferir a afirmação do garoto? Eu fui. Voltei ao Siga e vi que, em 2010, quando seu pai não era ministro, ele teve 100% de um total de R$ 5,2 milhões aprovados, relativos a uma emenda destinada igualmente ao Codevasf.
É preciso contextualizar e esclarecer. Cada deputado federal tem permissão para encaminhar emendas aos ministérios no valor total de R$ 13 milhões. Tirante essa restrição do valor máximo, eles tem liberdade para escolher o destino dos recursos. É uma regra democrática e constitucional que valoriza o mandato parlamentar. Os deputados do Nordeste costumam encaminhar boa parte desses valores ao ministério de Integração Nacional, por causa da já supra-dita relação desta pasta com a região. Os R$ 9 milhões encaminhados pelo pernambucano Coelho Filho ao ministério presidido por seu pai, portanto, estão dentro da normalidade. Deputados que encaminharam emendas de valor menor à Integração, fizeram-no porque decidiram trabalhar com outras pastas, não porque foram discriminados. No total, todo mundo tem seus R$ 13 milhões aprovados, embora o pagamento final desses recursos muitas vezes demore até mais de 2 anos para ser efetivado.
Mesmo assim, o relatório Siga mostra que inúmeros outros parlamentares tiveram emendas de valor maior aprovado pelo Ministério. A Folha diz que “sete parlamentares tinha emendas em valor maior do que o apresentado por ele. Contudo nenhum teve liberações acima da registrada para o filho do ministro”. Bem, eu também examinei o Siga, e descobri, por exemplo, que o deputado Givaldo Carimbão, do PSB de Alagoas, teve uma emenda aprovada no valor de R$ 9,1 milhões em 2011, para um projeto orçado em R$ 13,6 milhões, dos quais exatamente R$ 10,24 milhões foram empenhados pelo ministério da Integração.
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